NOTA | Conselho de Unidade do CFH rejeita o Programa FUTURE-SE

09/08/2019 17:45

NOTA | Conselho de Unidade do CFH rejeita o Programa FUTURE-SE

Em sessão extraordinária do dia 21 de agosto de 2019, o Conselho de Unidade do Centro de Filosofia e Ciências Humanas rejeitou por unanimidade e in totum o Programa FUTURE-SE do Ministério da Educação e aprovou a convocação de uma Assembleia Geral para o dia 26 de agosto às 17h30 no auditório do bloco B, a fim de discutir a gravidade deste projeto que propõe a alteração de 16 leis federais relativas às Universidades e à Educação, que reorienta duvidosamente preceitos constitucionais consolidados sobre o ensino superior público e gratuito no país e que coloca em risco, diante dos discursos governamentais amplamente conhecidos, as Ciências Humanas. Preocupa-nos esta proposta repleta de imprecisões e entendemos que a comunidade do Centro de Filosofia e Ciências Humanas deve construir uma discussão consistente e firme para que os nossos representantes junto ao Conselho Universitário possam levar um posicionamento coletivo e deixar claro a toda UFSC o que entendemos deste Programa e suas implicações.

Do que já temos levantado, é possível chamar atenção para os dois pilares do programa FUTURE-SE, estruturados nos Contratos de Gestão por Organizações Sociais (OS) e em Fundos de Investimento de natureza privada, que se opõem frontalmente às premissas da garantia da autonomia universitária, da defesa da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão; da garantia de financiamento público adequado para a manutenção e funcionamento das IFES; da flexibilização dos limites de captação e uso dos recursos próprios captados pelas IFES; e da garantia de preservação das carreiras públicas nas IFES.

Conforme diversos documentos elaborados por instituições universitárias e sindicais, parecem-nos grave e possível de ser rapidamente visualizada na proposta do Programa FUTURE-SE:

  • o total desconhecimento das atividades desenvolvidas pelas IFES quanto à competência e à qualidade da sua formação acadêmica, de suas ações de internacionalização e de seu impacto na vida social e econômica do país;
  • a não participação de Reitores ou associações da comunidade acadêmica na propositura do projeto;
  • a extinção da autonomia e o incentivo à privatização da gestão universitária;
  • a desresponsabilização do financiamento das IFES pela União substituído pelo fomento financeiro das universidades por meio de fundos privados diversos;
  • o flagrante descumprimento aos princípios da Administração Pública, definindo a não obrigatoriedade de chamamento público para a firmação dos contratos com as OS e suscitando inclusive dúvidas quanto à legalidade e aos riscos implicados;
  • a não referência às fundações de apoio. Conforme a Lei n° 8.958/1994, as fundações de apoio já possuem a competência de, por meio de convênios e contratos com as IFES, apoiar a realização de projetos de ensino, pesquisa, extensão, desenvolvimento institucional, científico e tecnológico e de estímulo à inovação, inclusive na gestão administrativa e financeira necessária à execução desses projetos;
  • a promoção de assimetrias regionais e, internamente, entre áreas do conhecimento, comprometendo as Ciências Humanas;
  • a efetivação de um Modelo de Universidade sob o signo empresa/serviço, enquadrando as Universidades em uma única perspectiva de atuação (empreendedorismo e inovação) e tornando-as funcionais, integradas ao mercado e, portanto, como um ator empresarial;
  • o fim da expansão de vagas do ensino superior público e gratuito e de cursos menos atrativos;
  • o pagamento pelos alunos para cursar as Pós-graduações;
  • o desconhecimento sobre as experiências das IFES no campo de internacionalização, levando a transferir toda a competência da elaboração e execução das políticas de internacionalização ao MEC, que disporá sobre “a organização e gestão dos processos”;
  • a atividade de extensão não é mencionada pelo Programa;
  • a permissão às reitorias em estabelecer parcerias público-privadas, comodato ou cessão de prédios e lotes;
  • a contratação de pessoal sem concurso público, via a OS, e, portanto, por fora do regime jurídico único da união;
  • o estabelecimento de limite de gasto com pessoal das universidades, conforme definição do comitê gestor do programa; e
  • a descaracterização da dedicação exclusiva, criando condições para que docentes possam ser agentes em busca de benefícios pessoais.

O programa FUTURE-SE é, a toda prova, um projeto temeroso e, por isso, recomendamos um NÃO de toda a comunidade universitária. Uma análise superficial que seja não encontra nenhuma dificuldade em concluir que não se trata de um Programa para robustecer científica e pedagogicamente as IFES mediante novos aportes de recursos, mas um Programa de subfinanciamento e reorientação para os interesses privados ‒ um programa de privatização ‒ deste que é um bem público inestimável para todos os brasileiros. Seu papel na formação de profissionais de elevada capacitação nas mais diversas áreas é inquestionável, uma prova do precioso serviço que as universidades públicas têm prestado às necessidades do País e de sua numerosa população. E é isto que agora está sob ameaça.

Já os objetivos gerais do FUTURE-SE são claros. Trata-se de um Programa que, por meio de “parcerias com Organizações Sociais”, deve fomentar a “captação de recursos próprios”. De fato, o projeto de restrição financeira é mesmo explícito quando se lê o ponto 1 do eixo “Governança, Gestão e Empreendedorismo”. Ele se refere abertamente e sem meias palavras da necessidade de encontrar “soluções inovadoras para lidar com a limitação de recursos”. É o contexto criado pela famigerada emenda constitucional do teto dos gastos que está diante de nós, como qualquer observador minimamente atento pode concluir.

Além disso, e de maneira ainda mais preocupante, muito do patrimônio já constituído nas IFES pode mesmo passar à iniciativa privada, segundo se lê muito claramente no item 4 da proposta apresentada pelo governo, referente às formas de fomento do Programa: as Organizações Sociais, uma vez formadas por meio de um “contrato de gestão”, das quais devem participar a “União e as IFES”, poderão ser fomentadas “por meio de repasses de recursos orçamentários e o uso de bens públicos”, diz o texto. E é o que aparece ainda com mais clareza no parágrafo que remete aos Fundos de Financiamento, “vinculados ao Ministério da Educação” e formados com a “finalidade de possibilitar o aumento da autonomia financeira das IFES”. Trata-se, com efeito, de um processo explícito de privatização das IFES, já que os tais fundos poderão contar com os “imóveis de propriedade” das mesmas.

Não é de um Projeto de limitação de recursos e privatização dos seus ativos que as universidades brasileiras precisam. Trata-se exatamente do contrário. Um país extremamente desigual e localizado não na fronteira da técnica, mas sim na grande área dos países em desenvolvimento e ainda atrasado em muitos campos, necessita de mais e não de menos recursos públicos; necessita de mais presença do Estado e não de sua desobrigação diante das necessidades científicas e educacionais do País. Um Programa para Instituições de Ensino e Pesquisa em um país com as condições econômicas e sociais do Brasil, não pode organizar-se pelos objetivos do “preço de mercado” e ainda menos do “percentual de lucro”, como se lê ainda no eixo 5 do texto apresentado pelo governo, voltado a propor novas formas de gestão para as IFES e seus departamentos de ensino e pesquisa.

Não há dúvida, no lugar de uma regulação social capaz de promover uma equalização que se sobreponha às tantas desigualdades, o FUTURE-SE encaminha as universidades a uma completa subordinação às leis do mercado, vale dizer, às leis da oferta e da procura, que por definição são seletivas e assim origem de novas e mais profundas desigualdades. Muitas áreas científicas e campos de formação profissional ficarão assim expostos a mais brutal fragilidade e à ameaça de destruição das competências longamente construídas.

Não apenas as áreas das ciências humanas, onde um projeto privatizante e de subordinação às leis do mercado nada tem a fazer, serão penalizadas. Na área das engenharias, a pesquisa básica seguramente será preterida em favor do “desenvolvimento” stricto senso, o desenvolvimento do produto que negligencia a inovação radical, já que as leis do mercado buscam apenas o retorno imediato. E o mesmo problema põe-se para as áreas biológicas ou das geociências, dedicadas entre outras às questões ambientais, tão importantes em nossa época. No campo da filosofia e das humanidades, não há dúvida que as limitações serão enormes. Como encontrar atrativos de financiamento para a pesquisa em torno da metafísica de Kant e Hegel, nomes até hoje de grande interesse para a discussão do legado cultural do Iluminismo e seus desdobramentos para a construção de sociedades social e politicamente democráticas? Os exemplos poderiam multiplicar-se nesta grande área dedicada aos problemas da constituição do “gênero humano”, em sua particularidade (camponeses, quilombolas, populações originárias) e em sua dimensão universal. Problemas os quais todos e quaisquer interesses voltados a enfatizar e tomar como régua de avaliação a rentabilidade econômica põem-se como estranho.

Por isso, convidamos toda a comunidade acadêmica da UFSC a rejeitar enfaticamente o projeto FUTURE-SE. Ele não é senão um projeto de privatização e, no limite, destruição das IFES, na sua diversidade e, ao mesmo tempo, na universalidade que as caracterizam e constitucionalmente as definem.

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