
“Desde criança, a gente vê antropólogos entrarem e saírem das terras indígenas. É uma relação bem próxima. Eles vão para pesquisas, demarcação de terra. Vim de uma terra de retomada, foi uma disputa de território. Nesse período, via muitos antropólogos visitarem a nossa casa, conversarem com as lideranças. Sempre achei aquilo interessante. Um deles sempre soube muito da minha família, dos meus avós”, relembra Joziléia Daniza Jagso Inácio Schild, primeira estudante indígena do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). A sua dissertação Mulheres kaingang, seus caminhos, políticas e redes na TI [Terra Indígena] Serrinha foi defendida no dia 24 de fevereiro de 2016.
Em seu trabalho, a geógrafa deu ênfase a três narrativas de luta de mulheres kaingang a partir das décadas de 60 e 70. “O movimento indígena pela terra e pelos direitos não se inicia pela Constituição de 88. Houve uma luta grande do movimento indígena, que conseguiu se articular sem internet, telefone, dinheiro. Alguns artigos específicos (231 e 232 – direito aos costumes, território e crenças) nos asseguram o direito de sermos quem somos. O tema vinha sendo discutido em fóruns institucionais; a promulgação da Constituição de 88 veio depois”, destaca.
Natural da Terra Indígena (TI) do Guarita (RS), Joziléia tem Serrinha como a TI do coração. A aldeia, localizada na região Norte do Rio Grande do Sul, pertence aos municípios de Ronda Alta, Três Palmeiras, Constantino e Engenho Velho. “Passei por mais de cinco aldeias, mas sempre tivemos uma aldeia fixa, a nossa ‘emã’. Os Kaingang mudam bastante, foram povos agricultores desde sempre. Tinham aldeias migratórias em épocas de pesca, de caçadas, de colheita do pinhão – base da alimentação deles durante muitos séculos. A gente sempre praticou muito o caminhar”, afirma.
Em maio de 2013, Joziléia enviou um e-mail à coordenação do curso de Licenciatura Indígena e à direção do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFH), com o pedido de que houvesse a extensão das ações afirmativas existentes para o curso de graduação também ao de pós-graduação em Antropologia Social. “O pedido foi encaminhado à coordenação do Programa, e a discussão foi para o Colegiado. No segundo semestre foi lançado, para o mestrado, edital com ações afirmativas, que assegurou uma vaga para indígenas e uma para negros, e bolsa de estudo para essas vagas”, relembra.
Joziléia participou do processo seletivo da UFSC e, em março de 2014, iniciou o mestrado na Universidade. Naquele ano, não houve candidatos à vaga para indígenas ofertada para o curso de doutorado. “Tive muitos parceiros aqui para concluir meu mestrado, não pedi prorrogação. A Evelyn [Martina Schuler Zea], que foi minha professora e depois futura orientadora, deu um curso de leitura dirigida para que eu pudesse acompanhar as discussões mais teóricas da Antropologia e os textos em leitura estrangeira, apesar de eu ter proficiência. Já sou bilíngue, por isso o aprendizado de uma terceira língua é mais difícil”, afirma a mestre em Antropologia.
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